quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Capítulo 20: Aqueles que se amam

JÁ DEVIA FAZER TRÊS DIAS. Era pouco tempo para superar o que acontecera. Muitos ainda comentavam pelas ruas, alguns aos sussurros e outros em discussões comedidas. Todos os treinos no Coliseu eram precedidos por momentos de reflexão. As aulas de filosofias não eram mais as mesmas. O coração do Santuário havia perdido uma parte muito querida por todos. Sentia-se fraco.

Todos sabiam que aquele momento de fraqueza seria uma oportunidade perfeita para receber ataques sem aviso prévio. Entretanto, sem saber o motivo, o inimigo silenciou-se. Alguns achavam que Atena havia intermediado, outros acreditavam que o inimigo temia que essa fraqueza se tornasse uma fúria devastadora e perigosa, mas havia apenas incertezas. O que muitos queriam era que os inimigos viessem. Assim poderiam se vingar.

Os mais sábios e os cavaleiros sabiam que não era o melhor momento. Não queriam carnificina, ainda mais diante de tantos olhos inocentes. Eles apenas desejavam que tudo voltasse a ser como antes, mas isso era impossível agora. Nada voltaria ao normal. Entretanto sabiam de uma coisa: vingança nunca é a melhor solução. Eles sabiam que um dos motivos do sacrifício de Serafim foi por isso. Para abrir os olhos do Santuário. Vingança não é a melhor solução, e sim a mais dolorosa. Mas muitos não conseguiram captar a mensagem.

O vento da manhã soprava na varanda de Sagitário, fazendo companhia a Orrin. Ele observava todo o Santuário da grande altura que se encontrava a Casa, enquanto aguardava sentado. Não estava acostumado com tamanha altitude. Então, o som de sandálias anunciou a chegada de outra pessoa. Com longos e escovados cabelos negros e olhos que refletiam a tranquilidade de um lago profundo, uma bela dama trajando um vestido de um azul bem claro se aproximou. Orrin a observou enquanto ela se ajeitava em uma cadeira ao seu lado, deixando uma bandeja de prata numa pequena bancada. Ela trazia um chá de odor agradável, servindo uma xícara para si. Delicadamente tomou um gole, degustando.

– Está ótimo – sua voz era agradável e pacífica.

– Sabe Delia, não faço ideia de como os lordes dourados não se tornam egocêntricos morando em lugares assim. Poderia achar-se um deus a observar do Monte Olímpio.

– Orrin! – censurou – Meu senhor é um ótimo cavaleiro. Se ele não tivesse ido ajudá-lo naquele lugar ainda estaria lá. Não acredito que possa pensar assim.

– Calma Delia. Foi apenas um comentário bobo.

O olhar de Orrin se perdeu em lembranças ruins. Percebendo o que dissera, Delia tratou de se desculpar.

– Oh! Desculpe Orrin… – sua voz foi carinhosa como a de uma mãe cuidando de seu filho machucado – Eu não… Não foi a minha intenção. Perdão.

– Não precisa pedir perdão. Sou eu quem deveria fazê-lo.

Levantando-se, pegou uma xícara de chá e foi até o peitoril. Tomou um longo gole antes de voltar a falar.

– Ando muito triste nesses últimos dias, Delia, e sei que sabes. O problema maior é que não consigo me portar mais como era. Não faço mais minhas patrulhas noturnas, não treino mais com o pobre Geord, que tanto quer ser um cavaleiro. Eu não sei mais o que fazer.

Após Orrin dar outro longo e demorado gole em seu chá, Delia se levantou e foi até ele. Alcançando-o, ela segurou delicadamente seu rosto com ambas as mãos. Seu toque era macio e reconfortante. Orrin sentiu-se um pouco melhor com o gesto. Pondo uma das suas mãos sobre a dela, acariciou seus dedos delicados. Estavam se olhando já há algum tempo. Era uma troca de olhar carinhoso, cheio de sentimento. Então Orrin tomou a iniciativa. Eles deram um longo beijo, apenas lábios nos lábios. Abraçaram-se. Quando se separam, Delia havia deixado escapar algumas lágrimas.

– Quando você partiu, senti um aperto no coração tão grande, tão intenso, que me faltou o ar. Eu rezei, rezei todos os dias, todas as horas, para que voltasse bem. Voltasse para mim. – começou a beijá-lo várias vezes enquanto falava – Fiquei tão desesperada quando o vi retornar sem sua armadura, todo sujo. Por mais triste que seja, agradecerei eternamente a Serafim por ter me dado você de volta. Sempre.

– Não chore. Não gosto quando fica triste.

– Não estou triste! Estou aliviada. Não sei o que aconteceria a mim se morresse.

– Não diga uma coisa dessas! Sou um Cavaleiro. Meu dever é sagrado e se for preciso morrerei por ele. Não quero levar para o campo de batalha o peso de poder morrer e te deixar inconsolável. Não me vai acontecer nada. Eu prometo.

Orrin a puxou para si, consolando-a com um abraço. Deram mais um longo beijo.

– Preciso ir. Tenho obrigações. Imagino que os seus deveres também aguardam. Encontramo-nos depois. – dando mais um beijo, se afastou e subiu no peitoril – O chá estava ótimo.

– Até – ela falou quase sem voz, mas sorrindo.

– Até.

Olhando para baixo, Orrin saltou da varanda em direção ao abismo gerado pela altura em que a Casa estava. Quando seus pés tocaram a inclinação da montanha, começou a correr em alta velocidade, descendo a encosta em alguns segundos. Caiu no meio do quintal de uma casa, assustando uma senhora que estendia suas roupas. Pedindo desculpas, pulou calmamente pela pequena cerca de madeira e seguiu pela rua lateral que acabava no pé da montanha. Parou quando estava no fim de uma pequena travessa, olhando para cima. Então voltou a tomar seu rumo.

Lá em cima, na varanda de Sagitário, sua amada o observava partir. Ainda restavam algumas lágrimas em seu rosto. Seu cabelo balançava conforme a vontade do vento. Ela observou Orrin se afastar até sumir de vista. Continuou lá por um tempo. Pôs um dos braços sob os seios e o outro com o cotovelo apoiado sobre a mão, mordendo as unhas, pensativa. Não sabe quanto tempo ficou lá.

– Ele é um bom rapaz e foi muito bem treinado por Edmond de Touro.

Tomada de surpresa, Delia se virou para ver o portador da voz. Trajando sua armadura dourada, Ícaros encontrava-se ao seu lado também perdido em pensamentos. Então a olhou com um bondoso sorriso no rosto. Sua presença ali não era a de seu senhor, mais sim de um amigo próximo.

– Desculpe meu senhor – fez uma reverencia sem muito jeito – Não fazia ideia que…

– Não se preocupe com nada, Delia. Vamos fazer o seguinte: se me servir um pouco desse maravilhoso chá, permitirei que tire o resto dia de folga. Que tal? – falou em tom amigável.

– Sim meu senhor. Como desejar – retribuiu o presente com um belo sorriso.

– Obrigado – disse recebendo uma xícara cheia.

Delia retirou-se, levando a badeja com o bule. Ícaros continuou a observar o Santuário de sua varanda, aos poucos consumindo o chá. Estava vagando em pensamentos. Delicadamente pôs a xícara quase vazia no peitoril e encostou-se a ele. O vento era um refresco diante do calor que fazia. Então contemplou o Sol, guardião máximo de todos os Cavaleiros de Ouro. Agora sei quem devemos escolher. Obrigado por me iluminar, guardião da Luz.

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terça-feira, 24 de novembro de 2015

Capítulo 19: O homem que se sacrifica

AS ASAS DAQUELE ANJO RECONFORTAVAM OS ALIADOS E AMEDRONTAVAM OS INIMIGOS. Sentindo-se bem, Orrin percebeu que a luz emanada por Serafim era curativa. Todos os seus ferimentos foram lentamente se fechando. Seu Cosmo foi restaurado, revitalizando as suas forças. Estava completamente estabilizado. Entretanto, os ferimentos de Serafim passaram a sangrar mais intensamente.

Liath, por outro lado, começou a sentir dores por todo corpo, mesmo nas áreas protegidas por sua armadura. Ele só compreendeu o que estava acontecendo quando um raio de luz cortou seu rosto. A sua incredulidade era tal que não conseguia se mover. Logo, o espanto se tornou um medo crescente.

Serafim havia acumulado uma intensa cosmo-energia que fez seu corpo brilhar entre tons de dourado e prata. Seu cosmo era tão intenso que foi capaz de acuar um dos mais poderosos guerreiros de Ares. Sua expressão serena. Ameaçadora para Liath. Tranquilizadora para Orrin.

Então, de repente, Orrin sentiu uma variação no Cosmo. O brilho que emanava de Serafim se intensificou. Quase era possível ouvir o soar de sinos. Olhando para seu amigo, pôde notar que os restos da armadura de Taças estavam se tornando poeira cintilante. Não só a armadura. Todo o corpo de Serafim começou a liberar o estranho pó. Não entendendo como isso era possível, Orrin apenas observou a situação tentando imaginar se aquilo era o efeito da luz refletida na areia ao vento.

– Liath, você será o primeiro e único a testemunhar o poder de um verdadeiro milagre.

Serafim ergueu os braços lentamente, desenhando arcos nas laterais do seu corpo e pondo-se na sua posição de cura. Liath entendeu tudo rapidamente.

– Não faça isso cavaleiro! Morrerá em vão. Achas mesmo que permitirei que execute um ataque contra mim? Não caia no mesmo erro duas vezes.

Ignorando o recado, Serafim uniu suas mãos com os braços erguidos. Orrin lutava para entender o que estava para acontecer.

Liath começou a reunir seu próprio cosmo preparando-se para se defender. Quando Serafim baixou os braços e os apontou para si, a intuição do general se provou correta. Ajeitando sua postura, pôs finalmente sua mão sobre o cabo da espada que trazia embainhada até então. Canalizando toda a sua cosmo-energia o mais rápido que podia, Liath sentiu o imenso fluxo de cosmo que Serafim produzia estender-se a proporções inimagináveis.

O movimento de Serafim continuou, e seus braços só pararam quando as suas mãos já estavam na linha da sua cintura. Um brilho intenso começou a brotar da boca do cálice formado pelos braços unidos. De súbito, Orrin sentiu o imenso cosmo de Serafim passar de todas as expectativas. Enfim entendeu do que se tratava.

– Não, Serafim! Não faça isso! – gritou desesperado.

Era tarde. Liath já havia concentrado muita do seu cosmo em suas mãos, e agora o transferia para sua espada. Estava pronto para atacar. Serafim direcionou um último olhar para Orrin. Uma lágrima brilhou em seu rosto, mas logo foi evaporada pelo calor do fluxo. Sussurrou algumas palavras e encarou seu inimigo.

Adeus Orrin. Adeus, meu mestre…

– DESPAIR SWORD ! – gritou Liath sacando a espada.

– HOLY CREATION ! – gritou Serafim abrindo os braços.

* * * * *

NO SANTUÁRIO.
Sob o céu noturno, Delfos, em sua morada, meditava. A luz da Lua era a única que iluminava o salão em que estava. Somente a noite o fazia companhia. Despertando de seu transe, observou as estrelas. As estrelas de uma constelação em particular. Taças. Viu que uma das suas estrelas brilhava intensamente, olhando para si. Era como se houvesse algo telepático entre a estrela e o oráculo. Então, inesperadamente, a estrela se apagou. Diante da constelação foi possível ver uma estrela cadente. A estrela caia à medida que uma lágrima solitária descia pelo rosto oculto de Delfos.

– Adeus, meu anjo… – suspirou com uma voz fraca – Adeus…

* * * * *

COMO UMA BANDEIRA QUE TREMULA SOLITÁRIA SOBRE UM CAMPO DE BATALHA BANHADO DE SANGUE, a espada de Liath balançava solitária, encravada na areia. Parte de sua beleza imponente foi maculada, consumida pelo choque de poderes. Não havia sinal do general de Ares. Fora arremessado a uma longa distância com o impacto recebido.

Orrin estava próximo ao local aonde Serafim executara seu último ataque. Segurava em seu colo, ajoelhado, o falecido cavaleiro de Taças. Seu corpo possuía ferimentos por toda sua extensão, mas trazia em seu rosto uma expressão grata felicidade. Não existia mais qualquer vestígio de sua armadura. Algumas lágrimas caíram sobre o rosto machucado de Serafim, borrando os traços secos de sangue. Tentando conter a tristeza, Orrin fungou alto e limpou o rosto com o antebraço.

– Obrigado Serafim. – tentou conter a tristeza em sua voz – Nesses últimos dias aprendi muita coisa com você, coisas que meu mestre nunca me ensinou. Coisas que deveria ter aprendido com a vida, sozinho. Agradeço do fundo do meu coração. Siga para as estrelas que é o seu verdadeiro lugar.

Não contendo mais a tristeza, Orrin desatou-se a chorar, com sua testa encostada na do amigo morto. Aquele momento durou alguns minutos, até que ele sentiu um mal estar. Era como se uma força ruim tentasse despertá-lo para a realidade.

Endireitando-se, repousou calmamente o corpo do amigo no chão, sentindo um cosmo maligno crescente. Não podia acreditar. Não pode ser! Nada nesse mundo sobreviveria a tamanho ataque. Incrédulo, Orrin assistiu a um poderoso turbilhão de energia negra se erguer de uma parte do mar. Saindo lentamente do oceano, Liath se aproximou cada vez mais da praia, até parar na areia. Exausto, com diversos ferimentos por todo corpo e sua armadura rachada nos mais diversos pontos, ele caiu de joelhos, tentando respirar o máximo que podia. Seu cosmo se acalmou lentamente, juntamente com sua aura.

Com o fôlego recuperado, Liath levantou calmamente e foi até sua arma. Alerta, Orrin pôs-se em posição de combate, esperando o pior. Alcançando-a, o general segurou a espada com as duas mãos, olhando para Orrin. Ambos estavam prontos para lutar mais uma vez, até a morte se preciso. Entretanto, olhando de Serafim para sua amada, Liath recuou. Baixando a espada, ele a embainhou, virando as costas para Orrin e indo até Adrienne.

– Para onde pensa que vai? – perguntou Orrin entre a raiva e a tristeza – Não quer mais se vingar? Eis sua oportunidade.

Liath ignorou a provocação. Aquilo havia perdido o sentido.

– Sei que é uma ótima oportunidade, mas os acontecimentos não permitem que eu prossiga com esta luta. Considere isso um adiamento da sua sentença. Como vocês, cavaleiros de Atena, nós servos de Ares não abandonamos o campo de batalha. Entretanto, nossos lados tiveram perdas muito próximas. Devemos viver para dar um enterro digno aos nossos aliados mortos, não achas?

– Concordo.

Liath ergueu com um pouco de esforço o corpo de Adrienne, dando um beijo de boa noite em sua testa e finalmente olhando por cima do ombro, para Orrin.

– Que nos recuperemos e saudemos como se deve os nossos mortos. Até outra hora, cavaleiro de Cão Menor.

Liath foi encoberto pelo seu cosmo sombrio, desaparecendo logo em seguida. Orrin não respondeu. Ele sabia que encontraria o general novamente em outra oportunidade. É provável que ainda desejasse vingança. Além disso, ouvir que eles deveriam saudar seus mortos abalou seu espírito, impedindo-o de falar. Ele olhou para o bravo amigo que se sacrificou para ajudá-lo.

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quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Capítulo 18: O homem guardião da luz

TREVA E LUZ DUELAVAM ATÉ A MORTE.

Não importava o que fizesse, Serafim sabia que seu fim estava próximo. O Cosmo daquela entidade normalmente era níveis acima do seu, e naquele momento a sua fúria o intensificava ainda mais. Não havia hora pior para enfrentar tamanho inimigo. Muito cansado dos ataques que recebeu da luta anterior, somado aos próprios que aplicou, Serafim sabia que a luta entre ele e Liath de Fobos não passaria de poucos momentos. Seria trucidado.

Entretanto, essa era a lógica. Serafim sabia que o Cosmo é um poder que não obedece a regras pré-estabelecidas. Num combate, vence quem conseguir superar o Cosmo do seu adversário. Mesmo sendo mais fraco, sei que posso elevar o meu cosmo a um limite inimaginável. Eu preciso acreditar na esperança de um milagre. Não era da essência de Serafim abandonar o campo de batalha, nem ao menos abandonar a esperança em si mesmo ou em seu próprio poder. Levaria aquele confronto até as últimas consequências.

– Eu sou Serafim de Taças, cavaleiro de Atena. – falou mais para si mesmo – Não importa o meu adversário, não temerei diante de sua força. Conheço muito sobre as lendas e sei que tua presença esmaga a alma do oponente com um intenso medo, mas saiba que isso não funcionará comigo. Eu sou o guardião da luz do Santuário, e foi meu mestre que me presenteou com o mais destrutivo ataque dentre todos os cavaleiros de prata.

– Vocês servos de Atena não passam de vermes ante minha presença. – desdenhou – Seu poder não me ameaça, ainda mais no estado em que está. Apenas fique parado, pois te destruirei com um único ataque.

– Vejo que não me resta outra escolha, senão recorrer ao meu poder máximo.

– Então veremos se a luz pode ser mais forte que as trevas.

Serafim sabia o que fazer. Diante de tal situação e a fim de ao menos salvar Orrin, ele precisaria usar sua técnica mais destrutiva. Entretanto, usá-la poderia significar seu fim, pois ela extinguiria até as suas últimas forças. Mas ele estava disposto a pagar o preço.

Seu cosmo se concentrava a medida que se movia. Ajeitando a sua postura, ele ergueu os braços e uniu as mãos acima da sua cabeça. Lentamente, ele baixou os braços para frente até ficarem paralelos ao chão, com a boca da taça voltada para seu peito. Nesta hora, seu cosmo se expandiu assustadoramente, ultrapassando os limites para que pudesse realizar seu ataque. Porém, antes mesmo de conseguir acumular metade da energia necessária, Liath já havia tomado a iniciativa de se por em sua posição de ataque. Todas as trevas que provinham de seu ser se reuniram em seu punho direito. Tomando impulso e aplicando um gancho no ar, ele arremessou toda aquela cosmo-energia acumulada contra Serafim, que não teve como desviar.

– FOBOS HURRICANE!

Um imenso turbilhão negro surgiu na noite. A energia negra engoliu Serafim, forçando-o a perder a concentração do seu Cosmo acumulado enquanto gritava de dor. O turbilhão logo se tornou um furacão impiedoso que girava no mesmo lugar. Dentro dele, Serafim sofria as consequências das intensas variações de pressão. Alguns pontos da armadura começaram a trincar.

– Está gostando, cavaleiro? Esse é o meu furacão de trevas. Nenhum inimigo pego por ele é capaz de escapar. Suas inconstantes variações de pressão irão destroçar sua armadura e depois decepar seu corpo em pedaços cada vez menores, até finalmente não sobrar nada além de poeira.

Liath começou a rir da situação, menosprezando o adversário.

– Esperava mesmo que eu ficasse parado enquanto você tentava acumular o máximo de cosmo para me ferir? Foi muito tolo. Que espécie de guerreiro recebe um ataque de bom grado? Agora pague com a vida pela sua idiotice, enquanto eu destruo de uma vez o cavaleiro de Cão Menor.

Pacientemente, Liath andou até Orrin. Enquanto se aproximava, seu braço direito ganhou uma coloração enegrecida, acumulando o terrível cosmo de Fobos. Seu poder encobriu todo o braço, tomando a forma de uma lâmina longa e afiada. Vou arrancar seu coração e nos segundos que lhe restar de vida vaporizarei o seu corpo por inteiro. Isso é o que merece por matá-la. Chegando ao cavaleiro, ele ergueu o braço e apontou a lâmina de trevas. Seu cosmo estava carregado de fúria, intensificando-se ainda mais ao ver Orrin. Morra Cão Menor!

Tomando impulso, Liath desceu a lâmina com todo ódio em direção ao coração de Orrin. Não havia nada a ser feito para impedi-lo, nem mesmo ninguém. Seria o fim de Orrin. Seria.

Inesperadamente, o ataque de Liath foi bloqueado. Incrédulo, ele sentiu seu braço imobilizado pelas mãos de Orrin. O cavaleiro acordou no último segundo, tendo tempo suficiente para defender-se do ataque fatal. A cosmo-energia negra que encobria o braço de Liath machucava continuamente as mãos de Orrin, que lutava com suas forças finais para permanecer vivo. Suas mãos começaram a sangrar.

– Por que não se dá por vencido e morre de uma vez? – Liath gritou em fúria.

– Porque antes de matar Adrienne eu vi quanto sofrimento eu poderia deixar nesse mundo se partisse para o Tártaro. Foi o amor dessas pessoas que me deu o poder suficiente para me manter vivo até agora. Não posso morrer e nunca me darei por vencido. Eu sou um cavaleiro de Atena!

Suas últimas palavras ressoaram em seu coração, alimentando o seu cosmo. Com uma força que não era sua, Orrin começou a empurrar a lâmina negra para longe do si. Não acreditando no que via, Liath perdeu a concentração, deixando que o cavaleiro afastasse o seu braço com muita dificuldade para a direita, soltando-o quando fora de perigo. A lâmina perfurou apenas a areia.

Impulsionando o corpo, Orrin se afastou de Liath. Caindo de joelhos, ele tentou se levantar. Seu rosto sangrava, juntamente com seu abdômen e mãos. Não fazia ideia de como a sua coluna estava intacta, devido o golpe de Liath, mas agradeceu por isso. Então ele começou a procurar por Serafim.

Liath, que havia se ajoelhado após sua lâmina perfurar a areia, ergueu-se incrédulo. Como um mero cavaleiro de bronze pôde bloquear meu ataque e o desviar?! Ainda mais na situação crítica em que se encontra? Seu cosmo não pode ser menosprezado e sua motivação para viver é muito poderosa. Isso lhe dá forças para continuar, mesmo que quase morto. Que motivação é essa? Era a vez do general de Ares ficar tenso.

– Respeito a sua vontade de viver, Cão Menor, e lhe darei a devida atenção por isso. Entretanto, você arrancou de mim a única coisa que amava. Garanto-lhe que minha motivação em destruí-lo é mais intensa que a sua de sobreviver. Prepare-se, pois não passará deste alvorecer!

Orrin olhou apreensivo para Liath, que novamente andava em sua direção acumulando uma quantidade assustadora de cosmo-energia. Não sabia o que fazer. Posso ser incapaz de derrotá-lo no meu estado, mas não vou desistir. Lutarei até o fim! Deem-me forças meu Cosmo! Em nome de tudo que acredito, em respeito a tudo que amo. Intensifique-se até que produza o brilho de um milagre.

Orrin começou a acumular seu cosmo, mas logo percebeu que Liath parou distraído com outra coisa. A expressão do general de Ares era de pura incredulidade. Surpreendido, Orrin sentiu o fluxo mais poderoso de cosmo-energia que sentira até então. Nunca algo chegara a tamanho poder em sua presença. Procurando pela fonte do poder, ele viu o furacão de Liath. Igualmente incrédulo, observou que o furacão estava parando de girar, ficando cada vez mais lento. Uma intensa luz começou a surgir de dentro do ataque, substituindo as trevas por esperança. Então onde antes existia um furacão agora só havia luz, e em meio a ela estava Serafim. A sua armadura estava em pior estado que a de Orrin, mas sua túnica estava intacta. Ferido em diversos pontos, Serafim flutuou até o chão lentamente. Atrás de si e em meio à luz reluzia sua constelação guardiã, Taças.

Seu rosto tinha pequenos filetes de sangue e seu olhar era de soberania e ira. Chorava sangue. Por um instante, Liath acreditou ter visto três pares de asas brotando das costas de Serafim. O efeito da luz causava a ilusão de penas caindo ao redor do cavaleiro. Mesmo com a diminuição da intensidade da luz, Serafim emanava uma pacífica aura de energia dourada, o que amedrontava Liath.

– Eu sou o guardião da Luz no Santuário de Atena. Foi ela em pessoa que me presenteou com esse dom. Agora, Fobos, mostrar-lhe-ei o verdadeiro brilho da esperança. O brilho de um milagre!

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terça-feira, 17 de novembro de 2015

Capítulo 17: O homem que se vinga

AS TREVAS DA NOITE RESSOAVAM BRUTALMENTE COM O COSMO DAQUELE DEMÔNIO. A armadura azul safira de Liath mais parecia um oceano de profunda escuridão que um céu estrelado. Furioso, ele encarava os dois cavaleiros de Atena, que mal conseguiam respirar diante de presença tão opressora. Encarava aqueles ousaram destruir quem ele mais amava.

– Vocês arrancaram de mim a única luz que me guiava em meio a escuridão. – gritou em meio a fúria – Apenas o vazio me preenche agora. O que havia de bom em mim está morto!

O seu cosmo se intensificou ainda mais, engolindo luz, som e o toque do vento. Orrin e Serafim se sentiram diante da ira de um Deus, cuja flor predileta dos campos Elísios fora arrancada pela ousadia de mortais estúpidos.

– Os matarei com um gozo que nunca mais será alcançado pela minha alma – sua voz agora era a de um demônio.

Orrin não acreditava naquele ser. A melancolia pela morte de Adrienne havia desaparecido, sendo substituída apenas por cólera. O seu cosmo se expandia continua e assustadoramente, engolindo a noite. A sua presença aterradora pressionava Orrin, impedindo-o de se mover.

A luz ambiente desapareceu com a fúria de Liath. Não havia mais estrelas ou Lua, sendo apenas visíveis os cavaleiros devido suas cosmo-energias. O som do mar foi substituído pelos lamentos dos mortos. O pavor no coração de Orrin aumentava cada vez mais. Sem saber o que fazer, sentiu-se perdido dentro daquele turbilhão de trevas que os rodeavam.

– Vou fazê-los sentir dor até não aguentarem mais, e quando estiverem prestes a desmaiar os destruirei com um único golpe, para que sentiam o seu coração explodindo em minhas mãos antes de virarem pó. – Liath começou a desaparecer em meio a escuridão do seu cosmo – Que padeçam diante da minha cólera!

Num instante, havia apenas Orrin e a escuridão. Os lamentos aumentaram. O medo crescia cada vez mais. Angustia… Incerteza… Lamentos… Escuridão… Medo… Dor. O cavaleiro sentiu um impacto avassalador. Liath reapareceu em meio a escuridão e atacou Orrin no estômago. O cavaleiro não teve como perceber o golpe, encolhendo o corpo involuntariamente e perdendo a noção das coisas. Uma fração de segundo depois, uma dor lacerante cortou as suas costas. A força do segundo impacto o arremessou na areia da praia com tanta violência que seu corpo se ergueu após bater no chão, o suficiente para receber um chute no rosto e ser arremessado além do mundo de escuridão criado por Liath.

– Orrin! – gritou Serafim.

Próximo dali, em meio às trevas, Serafim apenas ouviu os três poderosos ataques ecoarem. Nervoso com a situação, ele tentou se concentrar e abandonar o medo que sentia. Com seu espírito mais calmo, ergueu os braços concentrando o máximo de cosmo-energia que ainda tinha, lançando um grandioso poder ao seu redor.

– Que minha força purifique a noite. HOLY BREEZE!

De suas mãos unidas, que formaram a sua inconfundível taça, um brilho prateado se espalhou por todo o local. As trevas foram consumidas pela poderosa luz produzida por Serafim. Sua presença era reconfortante, representando a mais pura esperança. Quando seu poder se extinguiu, tudo era novamente visível. Não havia mais trevas. Lua e estrelas brilhavam intensamente no céu.

De repente, Serafim ouviu o som de uma explosão. Voltando-se para a fonte do barulho, ele viu uma enorme cratera na areia. Era Orrin. Ele finalmente havia caído após receber o ataque do inimigo, inconsciente. Angustiado, Serafim correu até o companheiro, mas foi interceptado por Liath. O olhar do demônio era de triunfo e puro sadismo. Seu sorriso era um contive para a morte.

– Miserável!

– Você ainda não viu nada, falso anjo.

– Não há honra em atacar um adversário no estado de Orrin. Caso deseje tanto se vingar, então lute contra aquele que deixou sua amada morrer, mesmo podendo curá-la. Sua rixa é comigo.

– Como queira. – Liath estudou seu adversário, imaginando com prazer todas as formas de torturá-lo – Com o Cão Menor fora do meu caminho, posso eliminá-lo sem problemas. E não adianta tentar me confundir! – rugiu irado – Sei bem que não podia fazer nada por ela. Acabei de destruí o assassino dela e agora cumprirei a missão que foi dada ao meu Esquadrão: eliminar o curandeiro do Santuário. Morra cavaleiro!

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quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Capítulo 16: O Demônio que se torna Anjo

QUARTA PARTE
VINGANÇA E SACRIFÍCIO

SILÊNCIO.

Apenas o som de água e areia retornando ao chão era audível, e uma enorme nuvem de poeira pairava no local da explosão. Serafim procurou por Orrin sem sair de onde estava, sua esperança a um fio. Quando a nuvem baixou o suficiente, um contorno familiar apareceu de dentro da poeira remanescente. Sem se mover, Orrin ainda estava em sua posição de ataque, desnorteado. Deixando a postura lentamente, analisou o que havia acontecido. Todo o seu corpo estava em péssimo estado e a sua armadura havia sido destruída em vários pontos. Metros a sua frente, após uma vala rasa aberta na areia, encontrava-se no chão uma quase inconsciente Adrienne. Não havia mais nenhuma armadura de morcego em seu corpo, apenas pedaços da roupa que usava por baixo da armadura. Muito ferida, ela olhava com dificuldade para o céu estrelado. A lua acariciava o seu belo rosto ferido.

Orrin não acreditava que havia terminado assim. Vendo o estado no qual se encontrava Adrienne, ele sentiu uma dor horrível em sua alma que superava a física. Não sentiu que havia recuperado sua honra, mas sim que havia perdido algo maior. Havia perdido parte de seu ser. Agora era sua alma que se encontrava ferida.

– Li… Liath…, meu querido… Liath… – Adrienne falava com dificuldade, tentando erguer seu braço direito para alcançar a Lua – Eu fracassei… desculpe meu amor… eu… fracassei…

Serafim chegou até o cavaleiro a tempo de ampará-lo. Sem forças e muito ferido, Orrin lutava para ficar acordado. Tentou andar em direção a Adrienne, mesmo sendo segurado por Serafim. Ele não o deixou prosseguir.

– Deixe-me ir até lá – implorava Orrin.

– Não. – falava tranquilamente, mas com melancolia na voz – Não há nada que possa fazer, nem mesmo eu. Ela está ferida além da recuperação. Acalme-se Orrin. Esta foi uma luta impressionante. Nenhum cavaleiro de bronze poderia resistir a um ataque desse nível. Suas armaduras são a prova maior do que digo.

Orrin apenas caiu no chão, de joelhos. Seu maior desejo era derrotar Adrienne, mas não pensava que a queria tanto viva. Não sabia o porquê, mas não desejava que ela morresse-se, ainda mais pelas suas mãos. Sua vontade de se manter vivo e de se vingar era tão alta que não mediu esforços para derrotá-la. Somente no fim percebeu que havia algo mais para com o que lutar. Infelizmente o golpe já havia sido aplicado. Não era esse o final que desejava. Não pensava que veria sofrimento e que passaria por ele.

– Orrin. Não há luta sem dor. Muitos são os guerreiros que apenas pensam na recompensa em matar alguém, mas não há recompensa na morte. Cavaleiros de verdade sabem reconhecer os esforços de seus adversários. Vocês lutaram com honra, e não há morte melhor que essa para um guerreiro. Infelizmente o caso dela é irreversível até para mim. Perdoe-me.

– O-Orrin – Adrienne tentava falar de onde estava. Prestando atenção, Serafim e Orrin olharam para a brava amazona que ainda resistia – Obrigada!

Seu lindo rosto marcado pelo combate tombou delicadamente de lado, com um último sorriso fraco. Uma lágrima solitária escorreu por seu rosto até cair na areia. A cena fez o coração de Orrin ficar ainda mais angustiado. Serafim apenas abaixou o rosto e fez uma reverência a Adrienne. Orrin tentou acompanhar o movimento.

De repente, a luz do luar e das estrelas sumiu do céu. A noite se tornou ainda mais escura. Serafim e Orrin notaram a mudança brusca do ambiente. Surpresos, acompanharam a chegada de um cosmo estranho no local. Uma presença enorme e devastadora, cheia de fúria e escuridão. Seu poder era comparável aos cavaleiros de ouro ou superior. Procurando pelo portador de tal Cosmo capaz de roubar até a luz dos astros, ambos perceberam uma presença ao lado de Adrienne, falecida.

Uma forma estranha começou a brotar na areia, ao lado da amazona. Parecia uma energia feita puramente de trevas. Ela se intensificou e esticou até ganhar as formas características de um humano. Com seu surgimento completo, um homem loiro tomou forma, vestindo uma lustrosa armadura completa azul-safira e com uma espada embainhada na altura da cintura. Caindo de joelhos ao lado de Adrienne, seu rosto incrédulo deixou que escapassem algumas lágrimas. Pegando-a no colo, ajeitou carinhosamente seu cabelo desgrenhado. Não podendo mais conter a tristeza, desatou-se a chorar, encostando o seu rosto ao dela. Sussurrava para a amazona palavras de amor eterno.

Serafim não acreditava em quem estava ali. Sabia muito bem quem era aquele homem. Um imenso temor começou a brotar em sua alma, que era cada vez mais esmagada pela terrível presença daquele ser. Orrin também sentia o imenso poder do homem, mas não o acha tão terrível quanto Serafim sabia que ele era. Havia um medo desconhecido em seu coração, mas conseguia combatê-lo com sua ignorância. Percebendo o terror nos olhos do companheiro, ele começou a ficar inquieto.

– O que foi Serafim? Quem é esse homem afinal?

– Ele é Liath de Fobos, General do Esquadrão da Derrota das Tropas de Ares. O seu poder é comparado ao dos mais poderosos cavaleiros de ouro, mas seu Cosmo é movido pela mais pura treva. Dizem que seu poder é tanto maior quanto as trevas que se acumulem em seu ser. E pelo que me parece, você matou a amada dele.

As lágrimas de Liath pararam. Repousando delicadamente Adrienne no chão, seu olhar se direcionou para os dois cavaleiros que ainda estavam ali. Olhando mais ao longe, viu o corpo falecido de seu guerreiro de Tubarão. Enchendo-se ainda mais de fúria, Liath pôs-se de pé. Seu cosmo se intensificava cada vez mais. Sua fúria era tamanha que a cosmo-energia que escapava ao redor do seu corpo chicoteava a areia com ferocidade.

– Agora, digam. – a sua voz ficava ainda mais ameaçadora a cada palavra – Quem a matou? Respondam!

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