terça-feira, 24 de novembro de 2015

Capítulo 19: O homem que se sacrifica

AS ASAS DAQUELE ANJO RECONFORTAVAM OS ALIADOS E AMEDRONTAVAM OS INIMIGOS. Sentindo-se bem, Orrin percebeu que a luz emanada por Serafim era curativa. Todos os seus ferimentos foram lentamente se fechando. Seu Cosmo foi restaurado, revitalizando as suas forças. Estava completamente estabilizado. Entretanto, os ferimentos de Serafim passaram a sangrar mais intensamente.

Liath, por outro lado, começou a sentir dores por todo corpo, mesmo nas áreas protegidas por sua armadura. Ele só compreendeu o que estava acontecendo quando um raio de luz cortou seu rosto. A sua incredulidade era tal que não conseguia se mover. Logo, o espanto se tornou um medo crescente.

Serafim havia acumulado uma intensa cosmo-energia que fez seu corpo brilhar entre tons de dourado e prata. Seu cosmo era tão intenso que foi capaz de acuar um dos mais poderosos guerreiros de Ares. Sua expressão serena. Ameaçadora para Liath. Tranquilizadora para Orrin.

Então, de repente, Orrin sentiu uma variação no Cosmo. O brilho que emanava de Serafim se intensificou. Quase era possível ouvir o soar de sinos. Olhando para seu amigo, pôde notar que os restos da armadura de Taças estavam se tornando poeira cintilante. Não só a armadura. Todo o corpo de Serafim começou a liberar o estranho pó. Não entendendo como isso era possível, Orrin apenas observou a situação tentando imaginar se aquilo era o efeito da luz refletida na areia ao vento.

– Liath, você será o primeiro e único a testemunhar o poder de um verdadeiro milagre.

Serafim ergueu os braços lentamente, desenhando arcos nas laterais do seu corpo e pondo-se na sua posição de cura. Liath entendeu tudo rapidamente.

– Não faça isso cavaleiro! Morrerá em vão. Achas mesmo que permitirei que execute um ataque contra mim? Não caia no mesmo erro duas vezes.

Ignorando o recado, Serafim uniu suas mãos com os braços erguidos. Orrin lutava para entender o que estava para acontecer.

Liath começou a reunir seu próprio cosmo preparando-se para se defender. Quando Serafim baixou os braços e os apontou para si, a intuição do general se provou correta. Ajeitando sua postura, pôs finalmente sua mão sobre o cabo da espada que trazia embainhada até então. Canalizando toda a sua cosmo-energia o mais rápido que podia, Liath sentiu o imenso fluxo de cosmo que Serafim produzia estender-se a proporções inimagináveis.

O movimento de Serafim continuou, e seus braços só pararam quando as suas mãos já estavam na linha da sua cintura. Um brilho intenso começou a brotar da boca do cálice formado pelos braços unidos. De súbito, Orrin sentiu o imenso cosmo de Serafim passar de todas as expectativas. Enfim entendeu do que se tratava.

– Não, Serafim! Não faça isso! – gritou desesperado.

Era tarde. Liath já havia concentrado muita do seu cosmo em suas mãos, e agora o transferia para sua espada. Estava pronto para atacar. Serafim direcionou um último olhar para Orrin. Uma lágrima brilhou em seu rosto, mas logo foi evaporada pelo calor do fluxo. Sussurrou algumas palavras e encarou seu inimigo.

Adeus Orrin. Adeus, meu mestre…

– DESPAIR SWORD ! – gritou Liath sacando a espada.

– HOLY CREATION ! – gritou Serafim abrindo os braços.

* * * * *

NO SANTUÁRIO.
Sob o céu noturno, Delfos, em sua morada, meditava. A luz da Lua era a única que iluminava o salão em que estava. Somente a noite o fazia companhia. Despertando de seu transe, observou as estrelas. As estrelas de uma constelação em particular. Taças. Viu que uma das suas estrelas brilhava intensamente, olhando para si. Era como se houvesse algo telepático entre a estrela e o oráculo. Então, inesperadamente, a estrela se apagou. Diante da constelação foi possível ver uma estrela cadente. A estrela caia à medida que uma lágrima solitária descia pelo rosto oculto de Delfos.

– Adeus, meu anjo… – suspirou com uma voz fraca – Adeus…

* * * * *

COMO UMA BANDEIRA QUE TREMULA SOLITÁRIA SOBRE UM CAMPO DE BATALHA BANHADO DE SANGUE, a espada de Liath balançava solitária, encravada na areia. Parte de sua beleza imponente foi maculada, consumida pelo choque de poderes. Não havia sinal do general de Ares. Fora arremessado a uma longa distância com o impacto recebido.

Orrin estava próximo ao local aonde Serafim executara seu último ataque. Segurava em seu colo, ajoelhado, o falecido cavaleiro de Taças. Seu corpo possuía ferimentos por toda sua extensão, mas trazia em seu rosto uma expressão grata felicidade. Não existia mais qualquer vestígio de sua armadura. Algumas lágrimas caíram sobre o rosto machucado de Serafim, borrando os traços secos de sangue. Tentando conter a tristeza, Orrin fungou alto e limpou o rosto com o antebraço.

– Obrigado Serafim. – tentou conter a tristeza em sua voz – Nesses últimos dias aprendi muita coisa com você, coisas que meu mestre nunca me ensinou. Coisas que deveria ter aprendido com a vida, sozinho. Agradeço do fundo do meu coração. Siga para as estrelas que é o seu verdadeiro lugar.

Não contendo mais a tristeza, Orrin desatou-se a chorar, com sua testa encostada na do amigo morto. Aquele momento durou alguns minutos, até que ele sentiu um mal estar. Era como se uma força ruim tentasse despertá-lo para a realidade.

Endireitando-se, repousou calmamente o corpo do amigo no chão, sentindo um cosmo maligno crescente. Não podia acreditar. Não pode ser! Nada nesse mundo sobreviveria a tamanho ataque. Incrédulo, Orrin assistiu a um poderoso turbilhão de energia negra se erguer de uma parte do mar. Saindo lentamente do oceano, Liath se aproximou cada vez mais da praia, até parar na areia. Exausto, com diversos ferimentos por todo corpo e sua armadura rachada nos mais diversos pontos, ele caiu de joelhos, tentando respirar o máximo que podia. Seu cosmo se acalmou lentamente, juntamente com sua aura.

Com o fôlego recuperado, Liath levantou calmamente e foi até sua arma. Alerta, Orrin pôs-se em posição de combate, esperando o pior. Alcançando-a, o general segurou a espada com as duas mãos, olhando para Orrin. Ambos estavam prontos para lutar mais uma vez, até a morte se preciso. Entretanto, olhando de Serafim para sua amada, Liath recuou. Baixando a espada, ele a embainhou, virando as costas para Orrin e indo até Adrienne.

– Para onde pensa que vai? – perguntou Orrin entre a raiva e a tristeza – Não quer mais se vingar? Eis sua oportunidade.

Liath ignorou a provocação. Aquilo havia perdido o sentido.

– Sei que é uma ótima oportunidade, mas os acontecimentos não permitem que eu prossiga com esta luta. Considere isso um adiamento da sua sentença. Como vocês, cavaleiros de Atena, nós servos de Ares não abandonamos o campo de batalha. Entretanto, nossos lados tiveram perdas muito próximas. Devemos viver para dar um enterro digno aos nossos aliados mortos, não achas?

– Concordo.

Liath ergueu com um pouco de esforço o corpo de Adrienne, dando um beijo de boa noite em sua testa e finalmente olhando por cima do ombro, para Orrin.

– Que nos recuperemos e saudemos como se deve os nossos mortos. Até outra hora, cavaleiro de Cão Menor.

Liath foi encoberto pelo seu cosmo sombrio, desaparecendo logo em seguida. Orrin não respondeu. Ele sabia que encontraria o general novamente em outra oportunidade. É provável que ainda desejasse vingança. Além disso, ouvir que eles deveriam saudar seus mortos abalou seu espírito, impedindo-o de falar. Ele olhou para o bravo amigo que se sacrificou para ajudá-lo.

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