quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Capítulo 20: Aqueles que se amam

JÁ DEVIA FAZER TRÊS DIAS. Era pouco tempo para superar o que acontecera. Muitos ainda comentavam pelas ruas, alguns aos sussurros e outros em discussões comedidas. Todos os treinos no Coliseu eram precedidos por momentos de reflexão. As aulas de filosofias não eram mais as mesmas. O coração do Santuário havia perdido uma parte muito querida por todos. Sentia-se fraco.

Todos sabiam que aquele momento de fraqueza seria uma oportunidade perfeita para receber ataques sem aviso prévio. Entretanto, sem saber o motivo, o inimigo silenciou-se. Alguns achavam que Atena havia intermediado, outros acreditavam que o inimigo temia que essa fraqueza se tornasse uma fúria devastadora e perigosa, mas havia apenas incertezas. O que muitos queriam era que os inimigos viessem. Assim poderiam se vingar.

Os mais sábios e os cavaleiros sabiam que não era o melhor momento. Não queriam carnificina, ainda mais diante de tantos olhos inocentes. Eles apenas desejavam que tudo voltasse a ser como antes, mas isso era impossível agora. Nada voltaria ao normal. Entretanto sabiam de uma coisa: vingança nunca é a melhor solução. Eles sabiam que um dos motivos do sacrifício de Serafim foi por isso. Para abrir os olhos do Santuário. Vingança não é a melhor solução, e sim a mais dolorosa. Mas muitos não conseguiram captar a mensagem.

O vento da manhã soprava na varanda de Sagitário, fazendo companhia a Orrin. Ele observava todo o Santuário da grande altura que se encontrava a Casa, enquanto aguardava sentado. Não estava acostumado com tamanha altitude. Então, o som de sandálias anunciou a chegada de outra pessoa. Com longos e escovados cabelos negros e olhos que refletiam a tranquilidade de um lago profundo, uma bela dama trajando um vestido de um azul bem claro se aproximou. Orrin a observou enquanto ela se ajeitava em uma cadeira ao seu lado, deixando uma bandeja de prata numa pequena bancada. Ela trazia um chá de odor agradável, servindo uma xícara para si. Delicadamente tomou um gole, degustando.

– Está ótimo – sua voz era agradável e pacífica.

– Sabe Delia, não faço ideia de como os lordes dourados não se tornam egocêntricos morando em lugares assim. Poderia achar-se um deus a observar do Monte Olímpio.

– Orrin! – censurou – Meu senhor é um ótimo cavaleiro. Se ele não tivesse ido ajudá-lo naquele lugar ainda estaria lá. Não acredito que possa pensar assim.

– Calma Delia. Foi apenas um comentário bobo.

O olhar de Orrin se perdeu em lembranças ruins. Percebendo o que dissera, Delia tratou de se desculpar.

– Oh! Desculpe Orrin… – sua voz foi carinhosa como a de uma mãe cuidando de seu filho machucado – Eu não… Não foi a minha intenção. Perdão.

– Não precisa pedir perdão. Sou eu quem deveria fazê-lo.

Levantando-se, pegou uma xícara de chá e foi até o peitoril. Tomou um longo gole antes de voltar a falar.

– Ando muito triste nesses últimos dias, Delia, e sei que sabes. O problema maior é que não consigo me portar mais como era. Não faço mais minhas patrulhas noturnas, não treino mais com o pobre Geord, que tanto quer ser um cavaleiro. Eu não sei mais o que fazer.

Após Orrin dar outro longo e demorado gole em seu chá, Delia se levantou e foi até ele. Alcançando-o, ela segurou delicadamente seu rosto com ambas as mãos. Seu toque era macio e reconfortante. Orrin sentiu-se um pouco melhor com o gesto. Pondo uma das suas mãos sobre a dela, acariciou seus dedos delicados. Estavam se olhando já há algum tempo. Era uma troca de olhar carinhoso, cheio de sentimento. Então Orrin tomou a iniciativa. Eles deram um longo beijo, apenas lábios nos lábios. Abraçaram-se. Quando se separam, Delia havia deixado escapar algumas lágrimas.

– Quando você partiu, senti um aperto no coração tão grande, tão intenso, que me faltou o ar. Eu rezei, rezei todos os dias, todas as horas, para que voltasse bem. Voltasse para mim. – começou a beijá-lo várias vezes enquanto falava – Fiquei tão desesperada quando o vi retornar sem sua armadura, todo sujo. Por mais triste que seja, agradecerei eternamente a Serafim por ter me dado você de volta. Sempre.

– Não chore. Não gosto quando fica triste.

– Não estou triste! Estou aliviada. Não sei o que aconteceria a mim se morresse.

– Não diga uma coisa dessas! Sou um Cavaleiro. Meu dever é sagrado e se for preciso morrerei por ele. Não quero levar para o campo de batalha o peso de poder morrer e te deixar inconsolável. Não me vai acontecer nada. Eu prometo.

Orrin a puxou para si, consolando-a com um abraço. Deram mais um longo beijo.

– Preciso ir. Tenho obrigações. Imagino que os seus deveres também aguardam. Encontramo-nos depois. – dando mais um beijo, se afastou e subiu no peitoril – O chá estava ótimo.

– Até – ela falou quase sem voz, mas sorrindo.

– Até.

Olhando para baixo, Orrin saltou da varanda em direção ao abismo gerado pela altura em que a Casa estava. Quando seus pés tocaram a inclinação da montanha, começou a correr em alta velocidade, descendo a encosta em alguns segundos. Caiu no meio do quintal de uma casa, assustando uma senhora que estendia suas roupas. Pedindo desculpas, pulou calmamente pela pequena cerca de madeira e seguiu pela rua lateral que acabava no pé da montanha. Parou quando estava no fim de uma pequena travessa, olhando para cima. Então voltou a tomar seu rumo.

Lá em cima, na varanda de Sagitário, sua amada o observava partir. Ainda restavam algumas lágrimas em seu rosto. Seu cabelo balançava conforme a vontade do vento. Ela observou Orrin se afastar até sumir de vista. Continuou lá por um tempo. Pôs um dos braços sob os seios e o outro com o cotovelo apoiado sobre a mão, mordendo as unhas, pensativa. Não sabe quanto tempo ficou lá.

– Ele é um bom rapaz e foi muito bem treinado por Edmond de Touro.

Tomada de surpresa, Delia se virou para ver o portador da voz. Trajando sua armadura dourada, Ícaros encontrava-se ao seu lado também perdido em pensamentos. Então a olhou com um bondoso sorriso no rosto. Sua presença ali não era a de seu senhor, mais sim de um amigo próximo.

– Desculpe meu senhor – fez uma reverencia sem muito jeito – Não fazia ideia que…

– Não se preocupe com nada, Delia. Vamos fazer o seguinte: se me servir um pouco desse maravilhoso chá, permitirei que tire o resto dia de folga. Que tal? – falou em tom amigável.

– Sim meu senhor. Como desejar – retribuiu o presente com um belo sorriso.

– Obrigado – disse recebendo uma xícara cheia.

Delia retirou-se, levando a badeja com o bule. Ícaros continuou a observar o Santuário de sua varanda, aos poucos consumindo o chá. Estava vagando em pensamentos. Delicadamente pôs a xícara quase vazia no peitoril e encostou-se a ele. O vento era um refresco diante do calor que fazia. Então contemplou o Sol, guardião máximo de todos os Cavaleiros de Ouro. Agora sei quem devemos escolher. Obrigado por me iluminar, guardião da Luz.

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