quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Capítulo 02: O Homem que uiva para a Lua

EM SUA PATRULHA NOTURNA, o cavaleiro de bronze de Cão Menor, Orrin, andava tranquilamente próximo ao centro do Santuário, onde fica a Praça do Relógio Zodiacal. Acompanhando-o estava Geord, seu subordinado e aprendiz de cavaleiro. Orrin era um homem não muito alto e de ótima saúde. Era bonito, muito louro e olhos cor de jade. Seu parceiro, Geord, era um homem muito alto, mais forte que Orrin e tinha um jeito meio estabanado no andar, mas sendo um homem astuto e com uma bonita juba de cabelos negros e barba rala.

Ambos andavam distraídos em seus pensamentos. O único som audível era dos passos metálicos da armadura azul safira de Orrin, com detalhes em azul claro e baixo relevo, e o vento forte que fazia ali. O Santuário dormia profundamente.

– Mestre? – perguntou quebrando o silêncio.

– O que foi Geord? – a voz de Orrin soou tranquila, quase um sussurro.

– Estava pensando há algum tempo… Quando poderei ganhar a minha armadura?

– Paciência. O tempo é aliado daquele que segue o seu fluxo. Não tente adiantar as ampulhetas de Cronos.

– Não é isso, mestre. – falou um pouco embaraçado – É que já estou treinando há sete anos. Hoje tenho meus dezesseis e ainda não sou um cavaleiro. O senhor mesmo disse que havia se tornado um com quatorze anos.

– Sim, mas eu treinei desde os cinco anos de idade. Saiba que não sinto orgulho disso. Agora, aos meus vinte, acredito que deveria ter sido jovem por mais tempo. Acalme-se e se concentre em sua missão. É a primeira vez que recebe uma, e estou aqui para garantir que a cumpra com louvor. Lembre-se que isto faz parte do seu treinamento. – e, sentindo que deveria acalmar um pouco mais a juventude de seu aprendiz, acrescentou

– Não deveria lhe contar, mas testes se aproximam.

E com aquilo dito, Geord se sentiu mais animado.

Continuaram a andar em silêncio. As ruas agora eram estreitas e mal cheirosas. Estavam no lado centro-noroeste do Santuário, onde se concentravam os estábulos e o raquítico cemitério mais ao norte, continuando a subida pelo território montanhoso do lugar. A noite ia bem e não havia nada com o que se preocupar.

Não que houvesse algo com o que se preocupar. Sendo a morada sagrada da deusa Atena, o Santuário era um exemplo para a sociedade grega, uma utopia almejada, sendo protegida pelos maiores heróis daquela era: os cavaleiros de Atena. Devido tamanha presença e auxiliado pelo seu isolamento místico do mundo comum, o Santuário sempre foi pacífico, onde os mais preocupantes casos pouco necessitavam da presença dos cavaleiros.

Entretanto, é sempre bom manter-se atento em tempos de como aqueles. As cidades-estados de Atenas e Esparta estavam com os ânimos exaltados devido divergências entre seus governantes, potencializado por antigas rixas. Tendo como patronos os deuses irmãos da guerra Atena e Ares, respectivamente, o anúncio de um conflito armado entre as cidades poderia representar o início de uma Guerra Santa, contrariando a vontade do senhor dos deuses, Zeus, que proibira séculos atrás a interferência divina nos assuntos mortais. Atena apoiara a decisão de seu divino pai, mas sendo uma deusa pacífica decidiu por enviar um de seus cavaleiros mais respeitados como mediador a fim de evitar o conflito, a contragosto de seu irmão que sempre ansiava pelo campo de batalha. O clima de tensão ainda não havia se extinguido.

De repente Orrin teve um mau pressentimento. Ele olhou para a esquerda e observou que estava em frente ao portão de ferro do cemitério. Algo não estava correto. Ele sentia. O seu cosmo o dizia isso. Rapidamente estendeu o braço e parou o discípulo que estava prosseguindo distraído em seus pensamentos.

– Não está totalmente concentrado, está? – perguntou Orrin.

– Não estava o quê? – respondeu confuso.

– Perguntei se não sentiu nada estranho.

– Não, não senti.

– Então se concentre mais, busque o cosmo.

Fazendo isso, Geord pôs-se a meditar. Ele mergulhou dentro de si, buscando a chama da sua existência, procurando em seu interior a força que permiti a um homem abrir fendas no solo com um soco e partir montanhas com um chute. Ele buscou o Cosmo, a infinitamente poderosa força interior presente em cada ser vivo e que, através da vontade do cavaleiro, pode ser usada para realizar atos sobre-humanos e até mesmo partir átomos!

Naquele momento, Geord estava focando a sincronização do seu cosmo com o ambiente a sua volta, tentando sentir qualquer alteração que não pertencesse àquele lugar. Como se tivesse vislumbrado algo importantíssimo, ele saiu de seu transe e observou Orrin. Sim, ele sentiu algo. Algo não, alguém, e com más pretensões. Seu cosmo era muito alto comparado a si, mas o seu mestre poderia lutar de igual para igual com esse ser que sentia, procurando nele um olhar de confirmação.

– Sim, é um cosmo sombrio e malicioso. – respondeu Orrin – Imagino que esteja aqui com más intenções. E a intensidade de seu cosmo corresponde ao de um cavaleiro de prata. Nunca pensei que alguém assim poderia ser tolo ao cúmulo de profanar o cemitério sagrado. É um crime grave. Vamos! Vamos tirá-lo de lá.

Sem qualquer esforço ou barulho, Orrin pulou o portão de ferro. Geord, entretanto, teve mais dificuldade ao fazê-lo. Maior e mais pesado, por pouco não escorregou ao tocar o chão. Os dois seguiram silenciosos pelo cemitério dos antigos guerreiros mortos. Ali era um lugar de repouso, não de luta, e ambos entendiam isso. Orrin desejava ansiosamente sair daquele lugar e deixar os túmulos em sua paz perpétua. Quando chegaram mais à frente, próximo a uma lápide com os dizeres “Minéias de Flecha” e de onde sentiram emanar o cosmo do profanador, encontraram ninguém. Não havia vestígio algum de pessoa que tivesse passado por lá. Estranho, pensou Orrin, continuo a sentir a presença de alguém aqui, mas não há nada além de covas e lápides.

Então, o cavaleiro sentiu subitamente uma enorme variação no Cosmo. O que antes estava estático variou bruscamente a sua ressonância e se tornou agressivo. Seu sexto sentido o alertou do perigo eminente e, com uma brusca reação, empurrou Geord para longe ao mesmo que se arremessava para o lado oposto. Antes mesmo de ambos caírem no chão, uma onda sonora quase imperceptível até mesmo para um cavaleiro treinado como Orrin colidiu contra o chão vazio onde estavam a menos de um segundo, explodindo com violência. Pedra e poeira voaram no céu.

Rapidamente, Orrin voltou sua visão para o céu estrelado e viu de relance o brilho maligno de Marte. Antes que pudesse pensar a respeito, ele viu um grande vulto negro se mover sob a Lua, voando. O vulto pousou sobre a lápide de Minéias, agarrando-a com garras afiadas em seus pés. Trajando uma armadura desconhecida, uma amazona de cabelos vermelhos sangue olhava diretamente nos olhos de Orrin. Era um olhar sensual e intimidante. Sua armadura colada ao corpo mostrava uma mulher alta e de bela aparência, mas de uma palidez anêmica.

– Eu sou Orrin de Cão Menor, cavaleiro de bronze de ordem superior e discípulo de Edmond de Touro. Identifique-se!

– Apenas aquela que carrega a beleza e a sensualidade das trevas, mas não tenho que dizer meu nome a cadáveres.

– Não me importa se não usa máscara, amazona. – de fato ela não a estava usando, algo obrigatório entre as que servem Atena – Sou o responsável pela guarda noturna do Santuário. Prepare-se invasora! Não terei misericórdia por sua alma.

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